Premiação em Juazeiro é marcada por suspeita de autopromoção e violação aos Princípios da Administração Pública

Na manhã de quinta-feira (08), artistas, ativistas e produtores culturais de Juazeiro compareceram ao Centro de Cultura João Gilberto para acompanhar a entrega da “Moção de Aplausos” concedida pela Câmara de Patrimônio Histórico da Bahia. No entanto, o sentimento predominante entre muitos presentes foi de desconforto e indignação. Para esses agentes culturais, a homenagem, embora tenha contemplado nomes com méritos legítimos, teve algumas homenagens que parecia uma afronta e massagem de egos, com evidente viés personalista, que de alguma forma tentar apagar ou desvalorizar trajetórias consistentes de artistas que mantêm viva a produção cultural da cidade de Juazeiro.

A presença do atual coordenador do Centro de Cultura entre os homenageados de fato causou especial estranhamento. Receber a honraria em seu próprio local de trabalho, com o uso da estrutura estatal e em meio a um discurso de tom debochado, levantou questionamentos sobre o desrespeito a princípios fundamentais da administração pública, como a impessoalidade e a moralidade. Em sua fala, o coordenador afirmou: “Sou muito grato ao deputado que me indicou, se não fosse ele, eu não estaria aqui […] meu nome agora é Flávio Henrique Leal”, numa clara alusão ao sobrenome do deputado Roberto Carlos — também homenageado — que, por sua vez, declarou não entender nada de arte e que cultura não era a sua área. 

O tom jocoso em determinado momento do discurso do servidor público homenageado, aliado ao reconhecimento de um político que confessadamente “não entende nada de arte”, contribui para a percepção de que a homenagem não se baseou no mérito artístico-cultural, mas em alianças pessoais e gratidões políticas. Essa abordagem irônica esvazia o significado da premiação, como pode configurar  também uma afronta direta aos fundamentos constitucionais da administração pública, no que se refere aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa. 

Outro fato que chamou a atenção em relação à “Moção de Aplausos” foi que o presidente do Conselho Estadual de Cultura e o presidente da Câmara de Patrimônio Histórico da Bahia, Junior Aficodé, foram informados por conselheiros municipais de Cultura de Juazeiro sobre o desconforto que a premiação do atual coordenador do Centro de Cultura João Gilberto poderia causar. O coordenador é acusado de ser responsável por um episódio lamentável de preconceito e discriminação contra uma discente do curso de Artes Visuais da Univasf, ocorrido em agosto de 2024, cujo processo ainda está em andamento na justiça. Além disso, no ano passado, o Coletivo Entre Rios e Sertões o acusou de desrespeito e hostilidade durante um ensaio do grupo cultural, entre outros relatados de desrespeito, pelo segmento cultural local.  Os conselheiros municipais questionaram o fato da Câmara de Patrimônio trazer “Moção de Aplausos” em detrimento de outras pautas urgentes e relevantes para a cidade de Juazeiro.

No rool de homenageados, causou estranheza na comunidade artística  a concessão de uma Moção de Aplausos a um jovem cujo “mérito” é de alugar equipamentos de som e estrutura para eventos, inclusive no próprio Centro de Cultura, segundo alguns relatos, sendo ele parte do quadro de funcionários do espaço através de uma empresa terceirizada, por indicação  pelo do próprio coordenador..

A indignação da comunidade artística local também se materializou em um discurso proferido pelo artista juazeirense Elder Ferrari, nesta sexta-feira (9), na presença do Secretário Estadual de Cultura, Bruno Monteiro, e dos membros do Conselho Estadual de Cultura. Ferrari expressou as frustrações de muitos artistas locais e questinou os critérios para a escolha dos nomes.

Texto lido por Elder Ferrari,  na Íntegra: 

A moção de aplauso realizada no dia 08 de maio de 2025 Centro de Cultura João Gilberto carece de representatividade e contempla indicações com forte viés pessoal. A ausência de figuras amplamente reconhecidas na cena cultural da cidade demonstra um apagamento de trajetórias e atuações que mantêm viva a produção artística local.

A cultura de Juazeiro não se faz apenas nos palcos oficiais ou sob os holofotes da institucionalidade. Ela pulsa nas vielas, nos bares, nas praças, no campo, nos becos e, sobretudo, nas periferias — onde artistas constroem narrativas, sensibilizam corpos e mantêm acesa a chama da esperança e da transformação social. Por isso, a moção de aplauso realizada no último dia 08 de maio, apesar da aparência nobre, revelou-se uma homenagem esvaziada de representatividade, marcada por critérios personalistas e seletivos.

É inaceitável a ausência de nomes cuja trajetória molda e sustenta o cenário artístico-cultural de Juazeiro com trabalho, coragem e compromisso. Onde estavam Alan Cléber, que transforma bares em palcos vivos com espetáculos semanais? Hertz Félix, Edvaldo Franciolle, Geraldo Pontes, Hugo Anavarto cuja trajetória é símbolo de resistência, formação e reinvenção?

Por que ignorar artistas que movimentam as bases culturais da cidade, como Aryellson e Júnior Dias, que mantêm grupos nas periferias levando arte a jovens em situação de vulnerabilidade? E os tantos outros que seguem resistindo à margem das políticas públicas, sustentando, muitas vezes sozinhos, a cena cultural juazeirense?

A lista de ausências ecoa: Lulinha, P1 Rappers, Raimundinho do Acordeon, Sérgio do Forró, Mateus do Acordeon, Xibiu, Banda Miragem, Carlinhos Tapioca com seu potente BUS’ARTE, João Gilberto Guimarães líder do movimento literário editora Eclae, Elson Campos e sua palhaçaria, Márcio Ângelo figura central do teatro de rua e das lutas por políticas culturais. Faltaram ainda nomes como Elder Ferrari, Ricardo Andrade com o coletivo Abordagem Teatral, Mestre Tartaruga, mulher preta que há mais de três décadas leva a capoeira como instrumento de cultura e cidadania, e Lineker Pereira, artista versátil que transita entre linguagens com rara sensibilidade, os Congos de seu Gouveia e sua forte ancestralidade, onde está a Associação cultural de itamotinga onde a 40 anos faz o maior espetáculo a céu aberto de todo território do São Francisco.

Não reconhecer também o papel de Sibele Fonseca, cuja “janela” midiática oferece visibilidade constante a artistas locais, ou de Adriano Alves, jovem produtor porta voz da TVE que constrói novos caminhos com criatividade e ousadia, é perpetuar o ciclo de invisibilização.

Essa moção de aplauso não representa a cultura de Juazeiro. Ela a silencia. Ignora nomes, trajetórias e histórias que deveriam ser celebradas.

O não reconhecimento dessas atuações, que movimentam diversos territórios culturais da cidade, evidencia uma escolha seletiva que não reflete a diversidade nem o alcance real da produção cultural de Juazeiro.

Foto: Reprodução

Compartilhe essa notícia:

Insira seu e-mail e assine nosso Portal

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *