O episódio tomou as redes sociais neste final de semana, em que músico do Vale do São Francisco aparece em vídeo gravado em bar, no lado de Petrolina, atacando o toque de recolher decretado pelo governo do Estado da Bahia, e ratificado com acréscimos pelo Município de Juazeiro. Valendo-se para tal de termos de teor ofensivos, o músico recebeu críticas de todos os lados ao qualificar a cidade como “periferia da Bahia” e “bairro pobre de Petrolina”. Mas tal episódio não é tão incomum, como parece. Comentários semelhantes são tecidos frequentemente, seja por petrolinenses, seja pelos próprios juazeirenses.
Em primeiro lugar, o uso da comparação entre as duas cidades pelo músico que, segundo dizem, reside em Juazeiro, não disfarçou a sua posição político-ideológica, sendo ele mesmo ex-candidato a vereador, pelo partido Democratas (DEM), na cidade que tanto se desfez, e a qual pretendia representar – razão pela qual deveria desde já ser opinião descartada, pois não pressupões embasamento concreto algum.
Neste espaço, porém, não nos cabe adentrar nas questões eminentemente polêmicas, em que o preconceito fala por si mesmo. Antes, queremos esclarecer, do ponto de vista político, social e econômico, o equívoco absurdo de que se reveste comparações dessa natureza, que não resiste a uma análise científica da formação de cada uma das duas cidades (não, Juazeiro não nasceu a doze anos atrás!), com destaque para o que há de peculiar e o que há de comum entre elas, a fim de desmistificar a ignorância recorrente, especialmente entre a classe média que nesta região habita.
A bem da verdade, a disparidade existente entre Juazeiro e Petrolina vai mais além do que o senso comum pode enxergar. Não é, como dizem, um problema essencialmente político-ideológico-partidário, senão social e econômico. Ora, o Vale do São Francisco é uma região dividida em metrópoles e sub-regiões, cujo papel específico a ser desempenhado por cada ente que a compõe é parte do conjunto de sua produção total. Juazeiro e Petrolina decerto são as duas grandes metrópoles do Vale, pela posição geográfica privilegiada que possuem ao beirarem o Rio São Francisco, mas a delimitação do grau de participação de cada uma nos setores mais variados da economia não é uma decisão meramente política, mas de investimento empresarial.
Nesse sentido, somente em um cenário de concorrência perfeita, seria possível compará-las. Mas não é isso o que acontece na realidade. Dentre os três setores (monopolizados) da economia, apenas o setor primário-agroexportador é o que há de comum entre as duas. Do lado de Juazeiro, a cana de açúcar; do lado de lá, a uva e a manga. Os setores secundário e terciário são distribuídos entre elas pelos monopolistas dos setores correspondentes.
O mais avançado, o setor secundário-industrial, estabeleceu-se em Petrolina. E não precisa ser economista para saber que uma fábrica industrial que ali se instala, o faz para utilizá-la como sede de escoação da sua mercadoria por toda a região, e que, por isso mesmo, nenhuma necessidade haveria de fazer a mesma instalação na cidade vizinha, Juazeiro. Do mesmo modo, o setor terciário de distribuição, o setor de serviços, representado por grandes mercados de atacado e varejo, estabeleceu-se em Juazeiro, não se preocupando em estender-se a Petrolina.
Além disso, se teve uma variante de setor que, mais do que os outros, deu certo em Petrolina, este foi o da especulação imobiliária. O movimento de especulação no Centro da cidade, entretanto, encareceu o custo de vida, obrigou os antigos residentes a desfazerem-se de suas casas e empurrou-os para as periferias. Por outro lado, tornou-se atrativo para não residentes, pessoas que vieram de fora com escolaridade mais avançada, qualificação profissional e aptos a receberem salários compatíveis, prejudicando, de uma forma ou de outra, os estudantes regionais aspirantes a tais cargos. A própria etnia da cidade se modificou, vale dizer.
O mesmo não ocorreu em Juazeiro, pela sua própria formação histórica. O histórico bairro Angary, por exemplo, um dos berços da cidade, é alvo de inúmeras tentativas de especulação imobiliária, mas são os próprios moradores organizados, que vivem da pesca, que resistem e não permitem o encarecimento daquela área, porque isso lhes custaria o seu próprio sustento.
Cabe frisar, ademais, que Petrolina surge enquanto município com propósitos institucionais e com projetos de infraestrutura já pré-concebidos; enquanto Juazeiro foi concebida pelos populares, antes mesmo de assim ser chamada.
E apesar das divergências históricas, sociais e econômicas, no campo da gestão política, as duas cidades deram igualmente inúmeras vantagens aos investidores, muitos dentre os quais são estrangeiros não residentes no Brasil, com isenções dignas de um “paraíso fiscal”, independente dos partidos que as governaram.
Assim, não há razão para compará-las, porquanto cada uma representa um papel historicamente determinado no conjunto das relações e práticas socioeconômicas do Vale do São Francisco. Aqueles que o fazem, o fazem sem saber ou por rixa política, ideológica ou partidária. A repercussão social, contudo, provou que Juazeiro, talvez mais do que Petrolina, é amada por (quase) todos.
Ítalo Oliveira Vargas
Espaço do leitor
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