
Não consigo ler a recente notícia sobre a conquista de R$ 110 milhões em obras de macrodrenagem para Juazeiro sem refletir sobre o peso histórico desse momento. Quero ser direto: não estamos tratando de simples “canais”, como muitas vezes se fala no senso comum. Estamos tratando de Riachos Urbanos, que são, na essência, cursos d’água naturais, secularmente desprezados e violentados pelo processo de urbanização excludente.
É preciso dar nome às coisas: riachos não são canais. Canais são estruturas artificiais de engenharia, muitas vezes criadas como tentativas de contornar um problema que a própria negligência com os riachos gerou. Já os desvios dos riachos, por exemplo, são canais. Também esclareço antecipadamente, inclusive, que está amparada na legislação municipal, a proibição do taponamento de riachos e canais em Juazeiro. Infelizmente, durante décadas, vimos exatamente o contrário: tamponamentos com placas de concreto, aterramento, desrespeito e abandono, resultando em alagamentos, focos de muriçocas, insalubridade e poluição direta do Rio São Francisco.
A obra de Matteo Nigro, “Dos riachos aos canais: o desprezo pela natureza na cidade em ambiente semiárido no Brasil (Juazeiro-BA)”, nos alerta para esse processo de degradação e invisibilização. Ele demonstra como, ao ignorarmos os riachos urbanos, ignoramos também a vida, a saúde e o direito à cidade das populações que vivem no seu entorno.
Por isso, quero reconhecer: o prefeito Andrei Gonçalves foi o único gestor municipal que, de fato, colocou os riachos na pauta central da administração. E isso não é detalhe. Isso é uma mudança de paradigma. Ao inscrever projetos no Novo PAC Seleções 2025, garantindo recursos para intervenções nos riachos Macarrão, Malhada e Mulungu, além de áreas críticas como o entorno do Campo da 1º de Maio e do Hospital Regional, Andrei demonstra compreender que saneamento básico não é gasto, mas investimento estratégico em saúde pública, justiça socioambiental e desenvolvimento urbano.
Como técnico, acredito que os recursos conquistados só terão efetividade real se acompanhados de metodologias participativas. A população que vive nas margens dos riachos precisa ser protagonista, tanto no planejamento quanto no monitoramento das obras. Afinal, são essas famílias que convivem diariamente com a falta de drenagem, com o risco de enchentes e com a degradação ambiental. Sem participação social, o risco é repetir os erros do passado: soluções de engenharia desconectadas da realidade social. Se existe previsão de relocação de famílias, as mesmas precisam estar cientes desde o princípio.
Além disso, é urgente tirar da gaveta e colocar em prática o Plano Municipal de Saneamento Básico de Juazeiro, instrumento legal e técnico que deve guiar todas as ações em drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e gestão de águas pluviais. Um plano construído com tanto esforço da sociedade civil e dos técnicos não pode se tornar apenas papel arquivado. A construção do projeto em questão precisa leva-lo em consideração, ou toma-lo como base.
A transformação que se anuncia precisa ir além das obras. É hora de devolver aos riachos urbanos de Juazeiro a sua função ecológica, paisagística e cultural. É hora de fazer com que drenagem e urbanização signifiquem qualidade de vida, dignidade e respeito à natureza, e não apenas concreto e asfalto.
Vejo, portanto, essa conquista de R$ 110 milhões não como um fim em si, mas como um ponto de partida. Um ponto para resgatarmos a história dos nossos riachos, para devolvermos ao povo a cidade que merece, e para provarmos que, quando a técnica, a política e a participação popular caminham juntas, é possível transformar realidades que pareciam imutáveis.
Jucinei dos Santos Martins
Técnico em Saneamento
Engenheiro Agrônomo
Bacharel em Administração Pública









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